sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Little boy

um menininho de 3 metros de comprimento
e 71 centímetros de largura
foi lançado de um avião

apagou todas as luzes de Hiroshima

um menininho destroçou uma mãe
que ninava os seus dois filhos
para depois beijar suas testas

acabou com o sorriso de um pai
que assistia ao nascimento
do seu próprio menininho

um menininho fez a garota
que balançava os seus cachos castanhos
enquanto dançava na sala de estar
desaparecer por completo

partículas tontas corriam até se perderem na escuridão

naquela noite, o menininho,
fez toda a cidade dormir com ele.

Imperfeito pra mim

tudo o que eu desejo nesse mundo é mais uma raiz quadrada de constelações dubladas e dois mols de notas musicais embrulhados nas ilusões mais sorridentes do calor do teu sofá.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Kai su, teknon?

Tom era alto, moreno, forte
e dono de um belíssimo cão
por essa razão, principalmente,
ele nunca estava sozinho
apesar das dores que sentia
durante as noites frias de outono
enquanto seu cachorro rasgava a sua pele
e mastigava pedaços duros de sua carne
Tom nunca estava sozinho
em sua parede
surgia o reflexo
de um homem magro, pálido e confuso
que nunca estava sozinho
mas repleto de hematomas
envolvendo uma galinha
com um sorriso amarelo
e todo o seu amor


"Brutus' love to Caesar was no less than his" - William Shakespeare's: The Tragedy of Julius Caesar; Act III, Scene ii: Brutus' Speech to the Plebians.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Cilada

se você estiver caminhando
e uma sombra repugnante
te apunhalar com diversos instrumentos
de modo tão intenso e repentino
que você prefere morrer
a continuar gemendo de dor
se você está sentindo o sangue quente escorrer pela sua garganta
se está sentindo cada parte do seu corpo morrer
sem nem ao menos saber a razão
parabéns,
você encontrou o amor.

Mármore

João e o seu grande amor
andavam por todos os lados
ainda que não pudessem
ser vistos por mais ninguém

João passava as suas tardes
escrevendo sobre a maneira
que Bianca prendia o cabelo
com um fragmento de fita

e sorria pensando em querer
e queria pensando em sorrir
a voz dela era como eco fixo
em sua mente fantasiosa

até que em um dado momento
o menino esqueceu a apatia
João tinha o nada e portanto
João tinha nada a perder
assim, após três passos largos
fez com que a menina entendesse
seu sorriso de canto de boca
e Bianca o seguiu por seis dias

João e a menina Bianca
andavam por todos os lados
e agora podiam ser vistos
pelo mundo inteirinho e até mais

mas a surpresa bateu na porta
e Bianca parou de repente
de exercer qualquer tipo de ação
João ainda muito insistia
e assistia cada pedaço
da menina desaparecer

João nunca sentiu tanto frio
sem lençol, se cobria de olhares
seis dias e seis mil palavras
embalavam João pra dormir

Bianca e o seu grande amor
andavam por todos os lados
Bianca se livrou da fita
e José tinha os olhos brilhando
duas almas reluzentes
entrelaçadas no espaço

João e o grande amor de outro
andavam por todos os lados
ainda que apenas dormisse
ainda que a febre vencesse
ainda que não pudessem
ser vistos por mais ninguém.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sobrecarregado de sonhos

desenhei com meu lápis de cera
dez mil réplicas fiéis
do seu sorriso na minha parede
e mandei demolir o meu quarto

domingo, 11 de novembro de 2012

Ponteiro

assisto a visão deturpada
de um dançarino alcoolizado
que por estar tão velho e perturbado
rege a mesma pobre melodia

passeia por tantos becos escuros
empurrando os idosos do abismo
provocando eternos pesadelos
nos destinos dos mais miseráveis

ele é mais veloz do que um trem
engole cada gota de vida
como se acendesse um cigarro
mesma classe, mesma discrição

o vulto de aspecto sinistro
devora as paredes das veias
com seu ácido surdo e temido
tece o mais execrável prazer

dança as trevas de modo a causar
a mais triste inquietude existente
carregando a mais bela das armas:
o seu simples tiquetaquear.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Por trás da cortina vermelha

Para Dora

a menina de cabelos longos
estava sempre nua no palco
seu ser nu em seus mil personagens
ser mais luz, ser mais brilho, holofote

a menina de cabelos longos
se estava perdida no mundo
se encontrava em suas próprias palavras
se perdia, por vezes, nas minhas

a menina de cabelos longos
me contou sussurrando apressada
que é possível morrer de saudades
se ela some por um breve instante

a menina de cabelos longos
envolvia o meu mundo em acordes
e flauteava aconchego em sua íris
ao moldar minha alma tranquila

a menina de cabelos longos
me encontrou em mil salas trancadas
achou graça do meu desespero
e apontou um milhão de saídas

a menina de cabelos longos
personagem do quarto ao lado
era minha pra ser protegida
meu amor num terceiro sinal.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

180 questões na traqueia

tragava as lembranças sujas
da porta que não mais rangia
e o relógio e o tempo passando
e a tal da caneta preta
arranhando de vez sua garganta
arranhando o seu corpo fajuto

a porta fechava em seus brônquios
que surpresa o maior desprazer
ser a perda tão brusca de tudo
aquilo que nem se queria

a porta já em seu pulmão
novamente rangia aos pedaços
escorriam vestígios vairados
de um sorriso estampado no rosto

embalou as esperanças tolas
e jogou todas elas pro alto

a porta ardia em seu corpo
que tremia um silêncio constante
transformando o rangido em fumaça
pra tentar ser fumaça também

Gole de heranças sujas


coloquei os meus sonhos na mala
e deixei na sala de estar
o seu sorriso tímido
assistia a televisão
como se velejasse
pelo mar de pedidos melódicos
descansando naquele sofá

olha nos meus olhos
acordo
o cheiro da sua voz
cambaleava no cômodo
mais um grande vazio deixado
pelo vulto inexato do gosto
de sentir suas mãos nas minhas

no silêncio fraqueja a beleza
que é o peso daquela mala

um breve momento em que tudo
que importava era
eu gosto de ser
o centro das suas atenções
olhei nos meus próprios olhos
e desapareci

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Durden

a menina caminhava no inferno
caminhava no inferno e encontrou
encontrou, no chão, um rosto
um rosto tão familiar
a menina encontrou a paz
no inferno, encontrou a paz
é que ela cuspia no espelho
suas tranças suadas, carentes
desprezavam o reflexo que viam
mas no meio daquele calor
ela viu seu reflexo no fogo
ela viu seu reflexo e gostou
e gostou dos cachinhos que tinha
descobriu seu sorriso blasé
descobriu que não tinha mais medo
medo mesmo, só tinha do escuro
mergulhava em seu próprio alívio
se deixava lamber pelas chamas
pelas chamas cada vez mais

a menina caminhava no inferno
caminhava no inferno sua paz.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Biunívoco


ébria de orgulho, sentia
na minha roupa ainda impregnada
todas as minudências dos cheiros
dos mais imperfeitos dos seus clones

meus passos febris, mecanizados
pareciam ter a única função
de me levar para onde não estou
só mais um movimento em movimento
provocando a inércia do meu ser

eles sempre vão
velozes, lúgubres
em meio a tantos despropósitos
deixam para trás só penumbra
e partem, partem, partem
partem você ao meio

escorrem por trás da gélida máscara
os nós do fantasma cinzento
que você me deixou de herança
os nós do inferno de nós
dois
nossos nós
ainda que nós
só nossos.

Adieu

de olhos fechados eu via
o menino religioso
e, sobretudo, desamparado
perdendo
pouco a pouco
tudo aquilo que já não tinha

vingt ans
et
tout le poids du monde
o maior dos infortúnios

cruel destino, seguramente
toda a justiça do reino
às dez horas e vinte e dois
ser mandada para a guilhotina

o dia, porém, se acabara
apesar de toda a luz
era tarde e só havia escuro

hesitou
escutava os tambores
que tomavam conta da praça
era tão intenso o frio
que já estremecia
antes mesmo de ousar subir
os degraus do cadafalso

"sire"
e abaixa a cabeça
uma corda envolve os seus punhos
perdão por todos os lados

c'est une révolution
e para cimentá-la:
meu sangue.
se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
entrego minha alma a Deus
entrego minha alma, adeus.

sábado, 6 de outubro de 2012

Inferno


com muita calma
ele abriu a janela
o vento trazia
uma melodia
quase tão doce
quanto as suas palavras

mentiras no escuro
do seu quarto
mentiras que fazem
seus olhos sorrirem
e fazem sentido
e trazem o sono
mentiras nas cordas
do seu violão

boa noite
o livro se fecha
já não se escuta sequer uma nota
me abraça e conforta
as minhas saudades
pede "não desiste"
e desiste de mim

tic tac
a alma já nua
gemendo baixinho
de tanta dor
um grito execrável
afasta as memórias
que insistem em não
desistir de voltar

"é que eu me preocupo"
mas já era junho
era frio demais
e ele fecha a janela.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Carta

a luz branca fornece o calor
"não é apenas dor, minha querida"
mas também me cega e machuca
"é a intensidade da vida"

eu não sei o porque, mas escorre
através de meus olhos exaustos
feridos e doentes
após sua passagem repleta
de vazios e tanto nada
eu não sei o motivo de ser excruciante
e de não parar
nem mesmo quando eu imploro

porém, o pior é saber
que em seus braços, ainda que frios
eu estaria acolhida
e, de certo modo, mais cálida
do que em toda a minha vida

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

To look around (desabafo)

E eu estava no céu
"todo mundo deveria ser feliz assim"
nós temos o céu, meu querido
não, eu tinha o céu
somente eu
será que não enxergava?
eu estava no céu, sozinha
sozinha no céu, sozinha
eu e toda a minha felicidade.

Por não me deixar morrer


Será que ele não percebia?
"olhe em volta" disse eu, angustiada
mas não moveu um só músculo
seus olhos calmos fitavam os meus
"está tudo caindo" insisti
ele olhou, lentamente, ao redor
finalmente, olhou em meus olhos
como quem via, com clareza, a minha alma
e me olhava, me via ali despida
toda a minha fraqueza estava exposta

então, por fim, sorriu
aquilo me desarmou completamente
e tudo continuava a cair
mas não havia em mim resquício de angústia
somente uma dor muito contente
por entender que iria passar
e que, enquanto não ocorria,
ao menos teria
aquele sorriso.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Lâmina cálida


sua ausência envolve o meu corpo
me faz prisioneira, doente
sua ausência, corrente
vazia, escorro aos poucos
sua ausência, meu pulso
sua ausência, artéria
saboreio, lentamente
sua ausência, meu fim.

Asfixia

é tão logo, de modo
que a fraqueza atrelada ao meu ser
chama meu organismo de lar

desespero, então, chega ofegante
porque sou, porque sabe que sou
ainda que não o deseje

o espelho está queimando
fragmentos de minha alma.
frieza, depressa, se apresse
é tarde, desesperador

as chamas me fazem gritar
e tonta, começo a tremer
e até eu não mais aguentar
só dor enquanto eu viver.