domingo, 11 de novembro de 2012

Ponteiro

assisto a visão deturpada
de um dançarino alcoolizado
que por estar tão velho e perturbado
rege a mesma pobre melodia

passeia por tantos becos escuros
empurrando os idosos do abismo
provocando eternos pesadelos
nos destinos dos mais miseráveis

ele é mais veloz do que um trem
engole cada gota de vida
como se acendesse um cigarro
mesma classe, mesma discrição

o vulto de aspecto sinistro
devora as paredes das veias
com seu ácido surdo e temido
tece o mais execrável prazer

dança as trevas de modo a causar
a mais triste inquietude existente
carregando a mais bela das armas:
o seu simples tiquetaquear.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Por trás da cortina vermelha

Para Dora

a menina de cabelos longos
estava sempre nua no palco
seu ser nu em seus mil personagens
ser mais luz, ser mais brilho, holofote

a menina de cabelos longos
se estava perdida no mundo
se encontrava em suas próprias palavras
se perdia, por vezes, nas minhas

a menina de cabelos longos
me contou sussurrando apressada
que é possível morrer de saudades
se ela some por um breve instante

a menina de cabelos longos
envolvia o meu mundo em acordes
e flauteava aconchego em sua íris
ao moldar minha alma tranquila

a menina de cabelos longos
me encontrou em mil salas trancadas
achou graça do meu desespero
e apontou um milhão de saídas

a menina de cabelos longos
personagem do quarto ao lado
era minha pra ser protegida
meu amor num terceiro sinal.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

180 questões na traqueia

tragava as lembranças sujas
da porta que não mais rangia
e o relógio e o tempo passando
e a tal da caneta preta
arranhando de vez sua garganta
arranhando o seu corpo fajuto

a porta fechava em seus brônquios
que surpresa o maior desprazer
ser a perda tão brusca de tudo
aquilo que nem se queria

a porta já em seu pulmão
novamente rangia aos pedaços
escorriam vestígios vairados
de um sorriso estampado no rosto

embalou as esperanças tolas
e jogou todas elas pro alto

a porta ardia em seu corpo
que tremia um silêncio constante
transformando o rangido em fumaça
pra tentar ser fumaça também

Gole de heranças sujas


coloquei os meus sonhos na mala
e deixei na sala de estar
o seu sorriso tímido
assistia a televisão
como se velejasse
pelo mar de pedidos melódicos
descansando naquele sofá

olha nos meus olhos
acordo
o cheiro da sua voz
cambaleava no cômodo
mais um grande vazio deixado
pelo vulto inexato do gosto
de sentir suas mãos nas minhas

no silêncio fraqueja a beleza
que é o peso daquela mala

um breve momento em que tudo
que importava era
eu gosto de ser
o centro das suas atenções
olhei nos meus próprios olhos
e desapareci